Nelogica quer ser o ‘principal provedor de tecnologia do mundo’

Nelogica quer ser o ‘principal provedor de tecnologia do mundo’

O que você diria para o dono de um negócio que almeja ser o “principal provedor de tecnologia do mundo”. No mínimo, desejaria boa sorte. Mas, no minuto seguinte, viria a curiosidade e a inevitável pergunta: como chegar lá, em um mundo dominado por gigantes? Marcos Boschetti, CEO e cofundador da Nelogica, da família das chamadas investech, tem tudo delineado para isso, das soluções desenvolvidas com muita inteligência de dados e ciência, ao processo de internacionalização que está em marcha.

A Nelogica, especializada em softwares para operação na bolsa de valores e em criptomoedas, vai estender a presença para os Estados Unidos e pode ainda chegar à Europa e à Ásia, em breve, informa o cofundador. A empresa é considerada uma das principais democratizadoras do acesso a investimentos em renda variável no Brasil.

Temos um conjunto de ferramentas e dados sem paralelo no mundo. Pegamos tecnologias que estavam fechadas no olimpo dos grandes investidores e tornamos isso acessível ao grande público”, orgulha-se o CEO.

Em 2020, em meio à pandemia e explosão da demanda e do uso de soluções digitais, a empresa recebeu dois novos sócios. Pela primeira vez, fundos de investimentos ingressaram na operação. As gestoras Crescera e Vulcan Capital aportaram R$ 550 milhões. O negócio alavancou o valor da empresa gaúcha para mais de R$ 2,9 bilhões.

A chegada dos novos sócios contrasta com a trajetória da Negologia.  “Quantos negócios legais pararam pelo caminho no passado por encontrarem um cenário desfavorável ao desenvolvimento de ideias”, observa Boschetti, lembrando das dificuldades em conseguir investimentos nos primeiros passos da empresa.

Fundada em 2003 em Porto Alegre, a investech tem cerca de 500 funcionários. Nos anos recentes, praticamente dobrou de tamanho a cada 365 dias. O carro-chefe da investech é a plataforma Profit, que permite acompanhamento em tempo real das oscilações do mercado na B3, a bolsa de valores brasileira, utilizando-se de gráficos e uma infinidade de algoritmos e informações para a tomada de decisão. O trunfo do Profit está em descomplicar a compra e venda de ações. A empresa também desenvolveu a tecnologia para um produto voltado ao mercado das criptomoedas, o Vector, software que reúne as principais exchanges do mundo.

Nesta entrevista para o Instituto Caldeira, Boschetti fala sobre os percalços e êxitos na história da empresa, desafios na investida internacional e planos no curto prazo, como a compra ou fusão de três startups, revelado na conversa. Fã de hubs de inovação e um dos fundadores do Caldeira, o empresário antecipa que ainda em 2021 a empresa terá seu lab no complexo no Quarto Distrito de Porto Alegre. Confira mais detalhes a seguir:

Instituto Caldeira – Como era o cenário quando a Nelogica começou?

Marcos Boschetti – Quando eu e o Fabiano Kerber (cofundador da empresa) decidimos embarcar nessa jornada, trocamos o certo e apostamos no duvidoso. Somos da área de tecnologia e, como não conseguimos investimentos lá atrás, usamos todas as nossas economias para desenvolver o primeiro produto. Mesmo montando business plan e conversando com investidores, muitos diziam que a ideia não ia dar certo no Brasil. Não havia praticamente incubadoras e venture capital. O único jeito era encontrar um investidor anjo que acreditasse na ideia, o que nunca aconteceu. Construímos a primeira versão da ferramenta em seis meses e usando a “nossa grana”. Recebemos muitos “nãos”, mas conseguimos. Nessa época, a gente não conseguia fazer comunicação mais ativa via redes sociais. Então, focamos na experiência do usuário e em entregar tecnologia muito melhor do que tinha no momento. O produto foi a primeira versão da plataforma Profit, que permitia às pessoas não só acompanhar informações do mercado, mas negociar ativos. Hoje temos mais de uma dezena de produtos, mas o carro-chefe continua a ser o Profit.

Instituto Caldeira – Você acredita que havia resistência à empresas de tecnologia? 

Boschetti – Muita. Antes havia uma descrença quase absoluta sobre tecnologia no Brasil, como se o país não pudesse produzir soluções de ponta. Ter sucesso na carreira, naquela época, era ser contratado por uma multinacional. Além disso, a taxa de mortalidade das empresas era dez vezes maior, com ambiente hostil a projetos locais de tecnologia. Não havia referências nacionais. Não havia ONGs de apoio ao empreendedorismo ou ambientes como o do Caldeira. A visão das corporações era de que uma startup de fora do Brasil poderia resolver os problemas.

Saímos de uma situação de agreste no ecossistema de inovação e avançamos, mas ainda não somos um Vale do Silício.

Instituto Caldeira – Qual a relação hoje da Nelogica com outras startups?

Boschetti – Olhamos diariamente para startups, tentando ver como elas podem nos ajudar a solucionar problemas de maneira mais rápida e sob perspectiva de M&A (da sigla em inglês, Mergers and Acquisitions, fusões e aquisições). Neste caso, o projeto pode fazer sentido na nossa estratégia, mesmo mantendo alma de startup. Aceleramos esse processo neste ano e devemos anunciar três operações com negócios nascentes em 2021.

Instituto Caldeira – Como a Nelogica se posiciona hoje no mercado?

Boschetti – Focamos dois tipos de clientes. O B2C, formado por pessoas como nós, que gostam e querem investir no mercado, tomar decisões de maneira mais eficiente e com mais informações e executar de maneira rápida as operações. Para esses clientes, temos um conjunto de ferramentas e dados sem paralelo no mundo. Pegamos tecnologias que estavam fechadas no olimpo dos grandes investidores e tornamos isso acessível ao grande público, fazendo a roda girar. E isso tem relação com nossa origem como cientistas. Não entregar para qualquer pessoa esses dados que entregamos era de interesse do sistema financeiro. Conseguimos quebrar isso. Para o segmento B2B, oferecemos desde sistemas de controle de risco a algoritmos de execução e conseguimos que a empresa entregue aos seus clientes uma jornada diferenciada, adaptando o nosso produto à interface do negócio. Seja no aplicativo móvel ou na experiência via web e no desktop, pensamos juntos a jornada orientada por dados. Nossa missão é criar jornadas únicas de investimento. Queremos ser o principal provedor de tecnologia do mundo, ajudando o mercado a entregar experiências melhores e mais eficientes para a vida financeira.

Instituto Caldeira – Quais são os próximos passos da empresa?

Boschetti – Praticamente, dobramos de tamanho todo ano e entendemos que o motor que propulsiona o negócio é a explosão controlada. Queremos ir mais rápido na conquista de alguns mercados, trazendo a competência que demoraríamos mais para desenvolver, via M&A, com melhorias na governança da empresa e acesso a mercados internacionais. O objetivo é, além de ampliar a equipe, é usar estratégia de fusões e aquisições para possibilitar crescimento mais acelerado e entrada em novos mercados. Hoje atendemos clientes em vários países, pois o digital permite isso. Em 2021, vamos estabelecer uma unidade física nos EUA e, talvez, na Europa ou Ásia. Também estamos repensando nossa estratégia de espaço físico para captar talentos no mundo todo. Globalmente, vejo necessidade de aprender novas línguas, mas nossa perspectiva de negócio passa muito pela experiência de usuário e em gerar valor ao cliente.

O consumidor tem cada vez mais opções, por isso precisamos ser cada vez melhores. Quem não se adaptar para essa realidade vai ficar para trás, pois as cadeias de valor vão mudar mais rápido. Ou se aprende a deixar ideias fluírem de maneira mais livre nas organizações, sem silos, descentralizando para reagir mais rápido, ou se vai para o fim da fila. A mudança é a regra. Acabou a ideia de que em time que está ganhando não se mexe.

Instituto Caldeira – E qual a relação da Nelogica com os ecossistemas de inovação do Estado, como o Instituto Caldeira?

Boschetti – O Caldeira é a síntese do que eu queria ter encontrado lá atrás quando a gente começou. Um espaço onde ideias fluem, onde posso me desenvolver e aprimorar meu negócio, interagir com mentores e encontrar vários tipos de apoios. Existem ativos que podem ser mais valiosos que capital. Vejo o ambiente do Caldeira como um deles. A Nelogica é uma das fundadoras do instituto e agora, com a retomada da atuação presencial, vamos montar nosso lab no complexo de inovação para testar projetos fora da caixa. Esperamos ocupar nosso espaço ainda este ano.